GRUCOMAT
COMO UMA COMUNIDADE DE APRENDIZAGENS E DE INVESTIGAÇÕES COMPARTILHADAS
Regina Célia Grando
Universidade São Francisco
Adair Mendes Nacarato
Universidade São Francisco
Introdução
As
discussões sobre formação docente vêm ocupando cada vez mais espaço na pesquisa
e nas reformas educacionais. Igualmente intensivas têm sido as discussões sobre
as práticas de formação que ocorrem no interior de grupos constituídos por
professores de diferentes segmentos de ensino — grupos no interior das escolas
ou grupos institucionais criados nas universidades.
Sem
dúvida, tais práticas têm se revelado potencializadoras do desenvolvimento
profissional dos professores. No entanto, há que se questionar quais são as
características desses grupos para que ocorra tal desenvolvimento. A simples
constituição de um grupo, que poderá ser ou não colaborativo, é condição
suficiente para garantir tal desenvolvimento? Quais são os princípios que
precisam nortear tais grupos? Como garantir uma dimensão colaborativa nessas
práticas coletivas?
Nossa
experiência como formadoras, atuando em grupos de trabalho com dimensões
colaborativas, tem nos possibilitado algumas sistematizações no que diz
respeito às estratégias de formação ou aos processos formativos que podem ser
adotados no grupo, tornando essas práticas mais enriquecedoras. Dentre esses
processos, a análise de aulas tem se revelado bastante rica. Os professores
podem realizar videogravações de suas aulas, as quais são trazidas e analisadas
por todos os participantes do grupo. Nosso propósito nesse capítulo é
apresentar a constituição e dinâmica de trabalho e de pesquisa no Grucomat, bem como discutir sobre as
aprendizagens durante a análise compartilhada de videogravação de aulas ocorridas
no grupo.
10 Anos de GRUCOMAT
O Grupo Colaborativo de
Matemática (Grucomat) é um grupo
institucional, vinculado ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação da Universidade São Francisco/USF, campus
de Itatiba, SP. O Grupo tem se constituído num espaço de estudos e pesquisas
sobre a matemática na escola básica. Em agosto de 2013 o grupo completou 10
anos de existência. É constituído pelas professoras que atuam na Universidade —
as duas autoras desse texto — por professores da escola básica e ensino
superior, bem como por alunos da pós-graduação (mestrado e doutorado em
Educação) — que também são professores da escola básica. Até o ano de 2009 o
grupo contou, também, com a participação de estudantes da graduação de
Matemática, mas com o fechamento do curso não tivemos mais esses alunos. Muitos
desses, hoje fazem parte como professores da Educação Básica.
Desde a sua criação, o grupo mantém
reuniões semanais de duas horas, às segundas-feiras. Atualmente, essas reuniões
ocorrem das 19h30min às 21h30min, no próprio espaço da universidade. Os
objetivos do grupo são a construção de um referencial teórico-metodológico
sobre os processos formativos dos professores que ensinam matemática,
principalmente quando esses participam de grupos de trabalho de dimensão
colaborativa ou de comunidades de investigação e a produção colaborativa de um
repertório de tarefas e investigações em sala de aula de matemática, na
construção de uma cultura de aula de matemática problematizadora.
A
participação no grupo é voluntária e seus membros têm autonomia para entrar e
sair quando a situação assim o exigir. Se a participação ocorreu de forma
constante durante o semestre, ao final, cada participante recebe um certificado
de curso de extensão. Em alguns semestres, o número de participantes é maior,
em outros, esse número fica mais reduzido; no entanto, o grupo mantém, em
média, 12 participantes por semestre. A heterogeneidade existente no grupo
possibilita, aos diferentes atores, assumirem papeis distintos em um processo
de ajuda mútua. O grupo adota uma dinâmica de trabalho que prevê a produção
colaborativa de sequências de tarefas para a sala de aula. Tais tarefas são
desenvolvidas pelos participantes em suas respectivas salas de aulas. No
momento da discussão coletiva cada professor sinaliza para o grupo aquilo que é
possível ou não de ser realizado em suas salas de aula. Nessa perspectiva, a
teoria das zonas discutida por Goos (2012) tem nos auxiliado nas análises sobre
o movimento do grupo: suas aprendizagens e avanços (zona de desenvolvimento
proximal), as ações promovidas no grupo (zona de ação promovida) e os possíveis
constrangimentos do professor em seu cotidiano escolar e no próprio grupo (zona
de livre movimentação).
No
momento de desenvolvimento as aulas são audiogravadas e/ou videogravadas. Esse
registro da aula, juntamente com os registros dos alunos (material produzido
durante a realização das tarefas) e uma narrativa do professor são trazidos
para análise e discussão do grupo. Esse movimento de preparação, desenvolvimento,
registro e análise é sistematizado pelo professor e tais sistematizações são
socializadas em eventos da área ou em capítulos de livros publicados pelo
grupo. Nessa perspectiva, pode-se dizer que essas sistematizações constituem
aquilo que Cochran-Smith e Lytle (1999) denominam de “conhecimento da prática”.
Os
professores em exercício trazem suas práticas para serem instrumento de
reflexão e problematização, o que propicia a (re)significação dessas
práticas. Por outro lado, em um processo
colaborativo, a fundamentação teórica e metodológica de tais práticas
possibilitam a produção de teoria sobre a prática pedagógica e a formação de
professores. O sentido dessa
colaboração entre os acadêmicos e os professores é compreendida por Elliott
(2001) como:
A tarefa do
pesquisador acadêmico seria a de estabelecer uma forma de pesquisa colaborativa
que fosse transformadora da prática curricular e que, no processo, favorecesse
uma forma particular de desenvolvimento do professor, sobretudo o
desenvolvimento de capacidades para transformar reflexivamente e
discursivamente sua própria prática (...). Isso significou uma ampliação do
papel da pesquisa acadêmica no âmbito da pesquisa-ação, a qual passou a ser
denominada de “pesquisa-ação de segunda
ordem” (ELLIOTT, 2001, p. 142, destaque do autor).
Procuramos
manter uma temática de investigação vinculada a um conteúdo de matemática
específico por acreditarmos que dessa forma podemos contribuir com
investigações sobre a matemática da Educação Básica em suas principais
epistemologias e práticas. A tabela a seguir destaca o período de existência, temática,
o nome que o grupo assumia, se houve financiamento do projeto e a produção do
grupo:
Tabela:
Foco de investigação no grupo colaborativo
Período/Temática
|
Denominação do
grupo
|
Financiamento
|
Produção
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Agosto de 2003
a julho de 2005 / geometria
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Oficina de
Geometria
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Trabalhos em
eventos; Artigos; Capítulos de livros
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Agosto de 2005
a junho de 2007/ geometria
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GRUCOGEO –
grupo colaborativo de geometria
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Projeto CNPq: Professores e licenciandos produzindo saberes em
geometria: trabalho colaborativo na universidade
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Trabalhos em
eventos; Artigos; Livro: Experiências com geometria na escola básica:
narrativas de professores em (trans)formação.
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Julho de 2007
a dezembro de 2007/ Estocástica
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GRUCOMAT –
grupo colaborativo de matemática.
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Trabalhos em
eventos; Artigos; Capítulos de livros
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Janeiro de
2008 a dezembro de 2010/ Estocástica
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GRUCOMAT
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Projeto CNPq:
Saberes produzidos e mobilizados em estocástica no/pelo grupo de trabalho de
dimensão colaborativa
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Trabalhos em
eventos; Artigos; Livro: Estatística e Probabilidade na Educação Básica:
professores narrando suas experiências
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Janeiro de
2011 a outubro de 2012 / Estocástica
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GRUCOMAT
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Trabalhos em
eventos; Artigos; Capítulos de livros
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Novembro de
2012 a outubro de 2015 / Pensamento algébrico
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GRUCOMAT
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Projeto CNPq:
A videogravação de aulas de matemática como ferramenta para a pesquisa em
formação docente: produção e análise de vídeos
|
Trabalhos em
eventos; Artigos; Capítulos de livros
|
O
projeto atual “A videogravação de aulas de matemática como ferramenta para a
pesquisa em formação docente: produção e análise de vídeos” têm por objetivos:
investigar quais saberes são produzidos e mobilizados em um grupo de trabalho
de dimensão colaborativa quando se toma o estudo de aulas videogravadas como
objeto de investigação; e identificar e analisar os discursos
matemáticos dos alunos da educação básica nas aulas videogravadas. Consideramos
a pesquisa colaborativa como referencial metodológico.
Nessa
perspectiva, os grupos têm se revelado como espaços formativos de práticas
compartilhadas. O trabalho de Passos et
al. (2006) aponta os grupos como potencializadores do desenvolvimento
profissional docente. As razões que
levam os professores a procurar um grupo podem ser variadas, no entanto, não há
como negar que essa procura representa a busca de desenvolvimento profissional.
Uma dessas razões pode ser a própria necessidade que o professor tem em
“adquirir um conteúdo formativo considerado imprescindível à prática docente”
(IBIAPINA, 2008, p. 41). Tais necessidades, segundo a autora, emergem em
contextos históricos e sociais concretos e surgem de situações da prática
docente que não foram resolvidas. Outras razões são decorrentes do próprio
prazer em estar junto com outros professores que estejam interessados em
compartilhar práticas e saberes, em trabalhar junto, em trocar ideias. É na
alteridade, segundo a autora apoiando-se nos estudos bakhtinianos, que os
professores vão se apropriando de outros discursos e de outras práticas e
transformando-as para os seus propósitos.
Nesse sentido, temos constatado que quando um novo integrante chega ao Grucomat, se ele não se identifica com
os participantes e não comunga dos mesmos interesses, ele não fica no grupo. Os
que nele permanecem sentem-se responsáveis pelo caminhar do grupo e pelas
decisões que são assumidas, passam a ser co-responsáveis com os parceiros e a
colaboração vai se instaurando. Nesse processo, todos se constituem e
contribuem para a constituição do outro.
Destacam-se,
ainda, os processos formativos que precisam ser construídos coletivamente no
grupo. Dentre esses processos destacamos as narrativas. O professor, ao
escrever sobre sua própria experiência e socializar com os pares, vive um
intenso movimento de reflexão e tomada de consciência de sua prática. Além
disso, essa escrita do professor é resultado de um conhecimento da prática
(COCHRAN-SMITH; LYTLE, 1999), prática essa que foi tomada como objeto de
análise e, portanto, essa escrita vem permeada pelas reflexões produzidas ao
longo do processo. O professor deixa de ser consumidor de teorias produzidas
por pessoas externas à sala de aula e passa a assumir a postura de pesquisador.
Um dos critérios para que o grupo seja
colaborativo é a boa relação entre os participantes, relação essa marcada pelo
respeito e o reconhecimento de que, em alguns momentos, há colegas que estão
com maior necessidade de ajuda do que outros.
Assim, analisar, discutir e refletir sobre o vídeo de um colega é uma
prática rotineira num grupo colaborativo. No caso do Grucomat, essa relação já foi construída, considerando que o grupo
já existe desde 2003 e que há uma prática sistemática de discussão sobre
tarefas desenvolvidas em sala de aula. As narrativas docentes são tomadas como
objetos de estudos e pesquisa, quando são articuladas à teoria.
Nos grupos, a produção das
narrativas, na maioria das vezes, é um processo dinâmico e todos colaboram com
os pares na redação do texto. Como afirma Ibiapina (2008, p. 20):
Nesse
processo, a colaboração é produzida por intermédio das interações estabelecidas
entre as múltiplas competências de cada um dos partícipes, os professores, com
o potencial da análise das práticas pedagógicas; e o pesquisador com o
potencial de formador e de organizador das etapas formais da pesquisa. A
interação entre esses potenciais representa a qualidade da colaboração, quando
menor as relações de opressão e poder, maior o potencial colaborativo.
Enquanto
os professores da escola básica, não envolvidos com a pesquisa acadêmica,
trazem suas práticas para serem analisadas, as formadoras e pós-graduandos
colaboram com as ferramentas metodológicas da pesquisa.
O
Grucomat vem se configurando como uma
comunidade de aprendizagem e de investigação, tal como defendem Cochran-Smith e
Lytle (1999). Para essas autoras, as comunidades de investigação constituem
meios ou mecanismos para a teoria da ação, ou seja, a teoria que se funda na
dialética do conhecimento e da ação. Nessa comunidade de investigação, não se
trata de estabelecer dicotomias como: conhecimento formal e conhecimento da
prática, ou conhecimento dos professores e conhecimento dos acadêmicos.
Trata-se, na verdade, de compreender que os professores, a partir das
investigações intencionais e sistemáticas que realizam nas salas de aula, são
capazes de teorizar sobre o conhecimento produzido. Tais teorizações são
produzidas em comunidades locais em que professores e acadêmicos trabalham
colaborativamente, buscando pela construção de um conhecimento significativo
local e a investigação é reconhecida pelo grupo como possibilidade de
transformar o ensino, o aprendizado e a escola. Nesse movimento, todos
aprendem.
A análise de aulas: as potencialidades do uso do vídeo
No
que diz respeito ao uso do vídeo, concordamos com Powell, Francisco e Maher
(2004) que ele traz contribuições à pesquisa, mas também tem limites. O vídeo possibilita captar o movimento e a
imagem numa sala de aula; o professor pode voltar a ele quantas vezes for
necessário; possibilita a multiplicidade de olhares e interpretações — pelo próprio professor, em diferentes
momentos ou pelos pares — ; permite um exame mais detalhado das ideias
matemáticas que circulam pela sala de aula e como estas são apropriadas,
ampliadas e (re)significadas pelos alunos; libera o professor que tem a
intencionalidade investigativa do ato do registro simultâneo, pois poderá
assistir ao vídeo posteriormente e, dessa forma, pode dar maior atenção aos
alunos durante as aulas; possibilita a análise de diferentes práticas e
contextos e formas de organização dos alunos para o trabalho — individual, em
pares ou em grupos. Em síntese, possibilita o compartilhamento e constituição
de um repertório de saberes profissionais — de conteúdo, pedagógico do conteúdo
e curricular.
Ao
capturar a postura do professor, a forma como dialoga com os alunos, conduz o
trabalho coletivo e organiza a socialização, o vídeo possibilita que “os
professores se tornem mais conscientes de seu comportamento em sala de aula.
Eles podem refletir sobre suas ações e então considerar e discutir com outros
se essas ações são efetivas ou não” (MAHER, 2008, p.67). Como diz a autora, os vídeos possibilitam aos
professores se engajarem prospectivamente na elaboração de novas estratégias de
ensino, garantindo um ensino de matemática mais efetivo para um maior
contingente de alunos. Concordamos com a autora de que os vídeos têm um
potencial incalculável para o desenvolvimento da consciência de como os alunos
mobilizam seus conhecimentos matemáticos e constroem novos.
Ibiapina
(2008) denomina essa prática de formação de “videoformação”. Segundo ela, a
projeção de vídeos produzidos nas aulas dos professores possibilita que eles
descrevam, informem, confrontem e reconstruam saberes docentes. Assim, os professores
alteram
o nível
de percepção de suas práticas, ampliando a consciência profissional. As
reflexões retratadas por meio do vídeo auxiliam no exercício da reflexividade,
formando a consciência reflexiva, dotando esses professores de autonomia que os
levam a fazer opções e defendê-las convincentemente. Esse processo concilia
ação, pesquisa, reflexão e formação, já que emerge como um recurso por meio do
qual as observações do contexto da sala de aula se tornam mais objetivas.
(IBIAPINA, 2008, p. 80).
As
sessões de vídeo no Grucomat
geralmente são planejadas previamente, combinando qual será o vídeo que o grupo
analisará. No entanto, pode acontecer de o professor pedir autorização ao grupo
para passar um vídeo de uma aula porque ele precisa conversar com os pares
sobre algum episódio ocorrido ou até mesmo para solicitar ajuda para
continuidade do trabalho em classe.
Essa
prática de analisar as aulas tem evidenciado algumas aprendizagens e avanços
teóricos e metodológicos — tanto no que diz respeito aos recursos metodológicos
para se ensinar matemática em sala de aula quanto aos procedimentos
metodológicos de documentação da pesquisa. As evidências dessas aprendizagens
são decorrentes das discussões durante a assistência dos vídeos ou de reuniões
específicas para analisarmos as contribuições do vídeo para o nosso
desenvolvimento profissional.
O vídeo possibilitando a captação
de ideias matemáticas dos alunos e de práticas docentes
Uma
das grandes contribuições da videogravação, sem dúvida, está na possibilidade
de identificarmos quais são as ideias matemáticas que circulam pela sala de
aula em contextos em que os alunos interagem trabalhando nos grupos ou nos
momentos de socializações coletivas. Muitas vezes, essas ideias que são
captadas possibilitam ricas discussões no grupo.
Os
vídeos têm possibilitado a percepção da importância das interações entre os
alunos e entre eles e o professor; as boas intervenções que o professor faz; e
os processos de comunicação nas aulas, como bem destacado pela professora Cleane:
o
vídeo possibilita refletir sobre o próprio processo de comunicação entre os
alunos, que é bastante interessante, o que eles falam e o quanto o momento de
socialização é rico. É um elemento facilitador para a prática, tanto do ponto
de vista da pesquisa quanto para o próprio professor.
O
vídeo também possibilita uma análise do professor para as suas intervenções em
sala de aula, como declarado pela professora Raquel:
Percebi
também nos vídeos que eu poderia ter voltado e perguntado aos alunos o que eles
tinham pensado sobre suas respostas. Vendo o vídeo percebi que minha
intervenção induziu a resolução do problema para o meu ponto de vista e não dei
margem para que as duplas continuassem a pensar do modo que haviam iniciado a
estratégia.
No
entanto, o vídeo também tem seus limites. Alguns desses limites e dificuldades
com a videogravação identificamos em nosso trabalho: ele não consegue captar
todo o movimento da sala de aula; depende da pessoa que está realizando a
videogravação, pois ela sempre fará seleção de quais imagens serão gravadas; a
dificuldade de captar as vozes dos alunos quando estes trabalham em grupos, até
pelo barulho natural de uma sala de aula; o excesso de material e o tempo gasto
para transcrição. Outra dificuldade encontrada no grupo diz respeito à seleção
dos vídeos a serem discutidos. Nem sempre temos tempo para assistirmos a todos
e isso precisa ser trabalhado de forma cuidadosa para não gerar
constrangimentos e interferir na relação afetiva que existe entre os participantes
do grupo. No entanto, temos estabelecido uma boa relação entre os participantes
no grupo, relação essa marcada pelo respeito e o reconhecimento de que, em
alguns momentos, há colegas que estão com maior necessidade de ajuda do que
outros.
O vídeo possibilitando a
constituição de uma comunidade de investigação
A
constituição do Grucomat já veio
arraigada na nossa concepção de que o professor é produtor de saberes e que
estes são indissociáveis do sujeito que conhece e construídos e teorizados na e
a partir da experiência (COCHRAN-SMITH; LYTLE, 1999). A investigação
sistemática dos professores pressupõe o registro, a discussão e o
compartilhamento de práticas de sala de aula. Nesse sentido, o Grucomat desde o seu início tem
investido no registro sistemático dos professores — seja em forma de narrativas
escritas ou em forma de artigos para divulgação em eventos ou publicação em
capítulos de livros e artigos de revistas. O ato de escrever exige do professor
reflexões e tomadas de consciência de sua prática, exige que tenha um olhar
mais atento para a sala de aula e para os pensamentos de seus alunos. Exige
aquilo que Cochran-Smith e Lytle (1999) denominam de “investigação como
postura”.
Entendemos,
pois, que estamos desenvolvendo colaborativamente essa postura e o vídeo de
aulas, sem dúvida, tem sido uma ferramenta muito interessante. Como declarou o
professor Paulo: a gente consegue trazer
para análise a própria realidade da sala de aula e não uma atividade em
laboratório.
Algumas sínteses do movimento
vivido pelo grupo diante da análise de aulas videogravadas
A
valorização do professor como um pesquisador de sua própria prática tem
possibilitado que esses professores tenham posturas diferenciadas em sala de
aula, dando voz e ouvindo seus alunos, criando situações mais ricas com maiores
possibilidades de investigação matemática pelo próprios alunos. Mudam-se as
concepções do que seja ensinar e aprender matemática. Os professores têm se
arriscado mais e buscado por um ensino de matemática pautado mais em problematizações.
Como já destacado, o que um professor do grupo tem a dizer, interessa a
todos. Estamos construindo uma
comunidade investigativa (JAWORSKI, 2008, p.313-314), ou seja,
Em uma comunidade
investigativa não estamos satisfeitos com o estado (desejavelmente) normal, mas
abordamos nossa prática com uma atitude questionadora, não para mudar tudo de
um dia para o outro, mas para começar a explorar o que mais é possível;
imaginar, questionar e procurar compreender ao colaborar com outros na
tentativa de fornecer respostas a eles (Wells, 1999). Nesta atividade, se
nossos questionamentos são sistemáticos e temos como objetivo proposital
investigar nossas práticas, nos tornamos, então, pesquisadores.
O movimento do Grucomat aqui analisado evidencia que, nesses 10 anos de atuação,
conseguimos criar uma identidade própria no grupo. Pode-se dizer que
construímos, colaborativamente, uma cultura de trabalho em grupo. A valorização
do trabalho compartilhado tem possibilitado tanto a constituição da comunidade
de investigação quanto as aprendizagens coletivas. Construímos relações
profissionais e pessoais. Há um desejo mútuo de ajuda e co-responsabilidade com
o que cada um faz em suas próprias escolhas.
Implicações
para as políticas públicas de formação docente
Acreditamos
que os grupos colaborativos como o Grucomat
vêm contribuindo sistematicamente para o desenvolvimento profissional de todos
os seus participantes e defendemos o reconhecimento e a valorização da
participação do professor em grupos colaborativos e/ou comunidades de
investigação pelas secretarias municipais, estaduais e federais de Educação.
Nesse sentido, acreditamos na importância de:
- que a participação no grupo seja
considerada como tempo de formação para o professor;
- que sejam atribuídas bolsas para
professores da educação básica que assumem o papel de parceiros de pesquisa;
- que sejam concedidas bolsas para
pós-graduandos que tomam a própria prática como objeto de investigação;
- que haja financiamento de projetos dessa
natureza (parceria universidade/escola, grupos no interior das escolas, etc.)
- de que seja incentivada e promovida a
participação dos professores em eventos, reuniões para divulgação das
experiências/pesquisas;
- de que sejam facilitados os trâmites burocráticos
na realização da pesquisa em sala de aula (comitê de ética, videogravação e
audiogravação de aulas, etc.).
Referências
COCHRAN-SMITH,
M. & LYTLE, S. L. Relationships of knowledge of practice: teacher learning
in communities. Review of Research in
Education, 24, 1999, p.249-305.
ELLIOTT, J. Recolocando a
pesquisa-ação em seu lugar original e próprio. In: GERALDI, Corinta M.G.;
FIORENTINI, Dario; PEREIRA, Elisabete M.A. (orgs) Cartografias do trabalho docente: professor(a) pesquisador(a). Campinas,
SP: Mercado de Letras, 2001, p. 137-152.
IBIAPINA,
Ivana M.L.M. Pesquisa colaborativa:
investigação, formação e produção de conhecimentos. Brasília:
Líber Livro, 2008.
MAHER, Carolyn A. Video
recordings as pedagogical tools in mathematics teacher education. In TIROSH,
Dina and WOOD, Terry (eds.). Tools and
processes in mathematics teacher education. The international handbook on
mathematics teacher education (volume 2). Rotterdam, The Netherlands: Sense
Publisher, 2008, p. 65-83.
PASSOS, Cármen L.B. et al. Desenvolvimento profissional do professor que ensina
matemática: uma meta-análise de estudos brasileiros. Quadrante, vol. XV, nº 1 e 2, 2006,
p. 193-219.
POWELL, Arthur B,; FRANCISCO, John M.; MAHER, Carolyn
A. Uma abordagem à análise de vídeo para investigar o desenvolvimento de idéias
e raciocínios matemáticos de estudantes. In: Bolema. Rio Claro: UNESP, Programa de Pós-graduação em Educação
Matemática, ano 17, no. 21, 2004, p. 81-140.