segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014


GRUCOMAT COMO UMA COMUNIDADE DE APRENDIZAGENS E DE INVESTIGAÇÕES COMPARTILHADAS

Regina Célia Grando
Universidade São Francisco

Adair Mendes Nacarato
Universidade São Francisco
  

Introdução
As discussões sobre formação docente vêm ocupando cada vez mais espaço na pesquisa e nas reformas educacionais. Igualmente intensivas têm sido as discussões sobre as práticas de formação que ocorrem no interior de grupos constituídos por professores de diferentes segmentos de ensino — grupos no interior das escolas ou grupos institucionais criados nas universidades.

Sem dúvida, tais práticas têm se revelado potencializadoras do desenvolvimento profissional dos professores. No entanto, há que se questionar quais são as características desses grupos para que ocorra tal desenvolvimento. A simples constituição de um grupo, que poderá ser ou não colaborativo, é condição suficiente para garantir tal desenvolvimento? Quais são os princípios que precisam nortear tais grupos? Como garantir uma dimensão colaborativa nessas práticas coletivas?

Nossa experiência como formadoras, atuando em grupos de trabalho com dimensões colaborativas, tem nos possibilitado algumas sistematizações no que diz respeito às estratégias de formação ou aos processos formativos que podem ser adotados no grupo, tornando essas práticas mais enriquecedoras. Dentre esses processos, a análise de aulas tem se revelado bastante rica. Os professores podem realizar videogravações de suas aulas, as quais são trazidas e analisadas por todos os participantes do grupo. Nosso propósito nesse capítulo é apresentar a constituição e dinâmica de trabalho e de pesquisa no Grucomat, bem como discutir sobre as aprendizagens durante a análise compartilhada de videogravação de aulas ocorridas no grupo.

10 Anos de GRUCOMAT  

O Grupo Colaborativo de Matemática (Grucomat) é um grupo institucional, vinculado ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação da Universidade São Francisco/USF, campus de Itatiba, SP. O Grupo tem se constituído num espaço de estudos e pesquisas sobre a matemática na escola básica. Em agosto de 2013 o grupo completou 10 anos de existência. É constituído pelas professoras que atuam na Universidade ­— as duas autoras desse texto — por professores da escola básica e ensino superior, bem como por alunos da pós-graduação (mestrado e doutorado em Educação) — que também são professores da escola básica. Até o ano de 2009 o grupo contou, também, com a participação de estudantes da graduação de Matemática, mas com o fechamento do curso não tivemos mais esses alunos. Muitos desses, hoje fazem parte como professores da Educação Básica.

Desde a sua criação, o grupo mantém reuniões semanais de duas horas, às segundas-feiras. Atualmente, essas reuniões ocorrem das 19h30min às 21h30min, no próprio espaço da universidade. Os objetivos do grupo são a construção de um referencial teórico-metodológico sobre os processos formativos dos professores que ensinam matemática, principalmente quando esses participam de grupos de trabalho de dimensão colaborativa ou de comunidades de investigação e a produção colaborativa de um repertório de tarefas e investigações em sala de aula de matemática, na construção de uma cultura de aula de matemática problematizadora.

A participação no grupo é voluntária e seus membros têm autonomia para entrar e sair quando a situação assim o exigir. Se a participação ocorreu de forma constante durante o semestre, ao final, cada participante recebe um certificado de curso de extensão. Em alguns semestres, o número de participantes é maior, em outros, esse número fica mais reduzido; no entanto, o grupo mantém, em média, 12 participantes por semestre. A heterogeneidade existente no grupo possibilita, aos diferentes atores, assumirem papeis distintos em um processo de ajuda mútua. O grupo adota uma dinâmica de trabalho que prevê a produção colaborativa de sequências de tarefas para a sala de aula. Tais tarefas são desenvolvidas pelos participantes em suas respectivas salas de aulas. No momento da discussão coletiva cada professor sinaliza para o grupo aquilo que é possível ou não de ser realizado em suas salas de aula. Nessa perspectiva, a teoria das zonas discutida por Goos (2012) tem nos auxiliado nas análises sobre o movimento do grupo: suas aprendizagens e avanços (zona de desenvolvimento proximal), as ações promovidas no grupo (zona de ação promovida) e os possíveis constrangimentos do professor em seu cotidiano escolar e no próprio grupo (zona de livre movimentação).

No momento de desenvolvimento as aulas são audiogravadas e/ou videogravadas. Esse registro da aula, juntamente com os registros dos alunos (material produzido durante a realização das tarefas) e uma narrativa do professor são trazidos para análise e discussão do grupo. Esse movimento de preparação, desenvolvimento, registro e análise é sistematizado pelo professor e tais sistematizações são socializadas em eventos da área ou em capítulos de livros publicados pelo grupo. Nessa perspectiva, pode-se dizer que essas sistematizações constituem aquilo que Cochran-Smith e Lytle (1999) denominam de “conhecimento da prática”.

Os professores em exercício trazem suas práticas para serem instrumento de reflexão e problematização, o que propicia a (re)significação dessas práticas.  Por outro lado, em um processo colaborativo, a fundamentação teórica e metodológica de tais práticas possibilitam a produção de teoria sobre a prática pedagógica e a formação de professores. O sentido dessa colaboração entre os acadêmicos e os professores é compreendida por Elliott (2001) como:

A tarefa do pesquisador acadêmico seria a de estabelecer uma forma de pesquisa colaborativa que fosse transformadora da prática curricular e que, no processo, favorecesse uma forma particular de desenvolvimento do professor, sobretudo o desenvolvimento de capacidades para transformar reflexivamente e discursivamente sua própria prática (...). Isso significou uma ampliação do papel da pesquisa acadêmica no âmbito da pesquisa-ação, a qual passou a ser denominada de “pesquisa-ação de segunda ordem” (ELLIOTT, 2001, p. 142, destaque do autor).

 

Procuramos manter uma temática de investigação vinculada a um conteúdo de matemática específico por acreditarmos que dessa forma podemos contribuir com investigações sobre a matemática da Educação Básica em suas principais epistemologias e práticas. A tabela a seguir destaca o período de existência, temática, o nome que o grupo assumia, se houve financiamento do projeto e a produção do grupo:

 
Tabela: Foco de investigação no grupo colaborativo

Período/Temática
Denominação do grupo
Financiamento
Produção
Agosto de 2003 a julho de 2005 / geometria
Oficina de Geometria
 
Trabalhos em eventos; Artigos; Capítulos de livros
Agosto de 2005 a junho de 2007/ geometria
GRUCOGEO – grupo colaborativo de geometria
Projeto CNPq: Professores e licenciandos produzindo saberes em geometria: trabalho colaborativo na universidade
Trabalhos em eventos; Artigos; Livro: Experiências com geometria na escola básica: narrativas de professores em (trans)formação.
Julho de 2007 a dezembro de 2007/ Estocástica
GRUCOMAT – grupo colaborativo de matemática.
 
Trabalhos em eventos; Artigos; Capítulos de livros
Janeiro de 2008 a dezembro de 2010/ Estocástica
GRUCOMAT
Projeto CNPq: Saberes produzidos e mobilizados em estocástica no/pelo grupo de trabalho de dimensão colaborativa
Trabalhos em eventos; Artigos; Livro: Estatística e Probabilidade na Educação Básica: professores narrando suas experiências
Janeiro de 2011 a outubro de 2012 / Estocástica
GRUCOMAT
 
Trabalhos em eventos; Artigos; Capítulos de livros
Novembro de 2012 a outubro de 2015 / Pensamento algébrico
GRUCOMAT
Projeto CNPq: A videogravação de aulas de matemática como ferramenta para a pesquisa em formação docente: produção e análise de vídeos
Trabalhos em eventos; Artigos; Capítulos de livros

 
O projeto atual “A videogravação de aulas de matemática como ferramenta para a pesquisa em formação docente: produção e análise de vídeos” têm por objetivos: investigar quais saberes são produzidos e mobilizados em um grupo de trabalho de dimensão colaborativa quando se toma o estudo de aulas videogravadas como objeto de investigação; e   identificar e analisar os discursos matemáticos dos alunos da educação básica nas aulas videogravadas. Consideramos a pesquisa colaborativa como referencial metodológico.  

Nessa perspectiva, os grupos têm se revelado como espaços formativos de práticas compartilhadas. O trabalho de Passos et al. (2006) aponta os grupos como potencializadores do desenvolvimento profissional docente.  As razões que levam os professores a procurar um grupo podem ser variadas, no entanto, não há como negar que essa procura representa a busca de desenvolvimento profissional. Uma dessas razões pode ser a própria necessidade que o professor tem em “adquirir um conteúdo formativo considerado imprescindível à prática docente” (IBIAPINA, 2008, p. 41). Tais necessidades, segundo a autora, emergem em contextos históricos e sociais concretos e surgem de situações da prática docente que não foram resolvidas. Outras razões são decorrentes do próprio prazer em estar junto com outros professores que estejam interessados em compartilhar práticas e saberes, em trabalhar junto, em trocar ideias. É na alteridade, segundo a autora apoiando-se nos estudos bakhtinianos, que os professores vão se apropriando de outros discursos e de outras práticas e transformando-as para os seus propósitos.  Nesse sentido, temos constatado que quando um novo integrante chega ao Grucomat, se ele não se identifica com os participantes e não comunga dos mesmos interesses, ele não fica no grupo. Os que nele permanecem sentem-se responsáveis pelo caminhar do grupo e pelas decisões que são assumidas, passam a ser co-responsáveis com os parceiros e a colaboração vai se instaurando. Nesse processo, todos se constituem e contribuem para a constituição do outro.

Destacam-se, ainda, os processos formativos que precisam ser construídos coletivamente no grupo. Dentre esses processos destacamos as narrativas. O professor, ao escrever sobre sua própria experiência e socializar com os pares, vive um intenso movimento de reflexão e tomada de consciência de sua prática. Além disso, essa escrita do professor é resultado de um conhecimento da prática (COCHRAN-SMITH; LYTLE, 1999), prática essa que foi tomada como objeto de análise e, portanto, essa escrita vem permeada pelas reflexões produzidas ao longo do processo. O professor deixa de ser consumidor de teorias produzidas por pessoas externas à sala de aula e passa a assumir a postura de pesquisador.

Um dos critérios para que o grupo seja colaborativo é a boa relação entre os participantes, relação essa marcada pelo respeito e o reconhecimento de que, em alguns momentos, há colegas que estão com maior necessidade de ajuda do que outros.  Assim, analisar, discutir e refletir sobre o vídeo de um colega é uma prática rotineira num grupo colaborativo. No caso do Grucomat, essa relação já foi construída, considerando que o grupo já existe desde 2003 e que há uma prática sistemática de discussão sobre tarefas desenvolvidas em sala de aula. As narrativas docentes são tomadas como objetos de estudos e pesquisa, quando são articuladas à teoria.

            Nos grupos, a produção das narrativas, na maioria das vezes, é um processo dinâmico e todos colaboram com os pares na redação do texto. Como afirma Ibiapina (2008, p. 20):

Nesse processo, a colaboração é produzida por intermédio das interações estabelecidas entre as múltiplas competências de cada um dos partícipes, os professores, com o potencial da análise das práticas pedagógicas; e o pesquisador com o potencial de formador e de organizador das etapas formais da pesquisa. A interação entre esses potenciais representa a qualidade da colaboração, quando menor as relações de opressão e poder, maior o potencial colaborativo.

 

Enquanto os professores da escola básica, não envolvidos com a pesquisa acadêmica, trazem suas práticas para serem analisadas, as formadoras e pós-graduandos colaboram com as ferramentas metodológicas da pesquisa.

O Grucomat vem se configurando como uma comunidade de aprendizagem e de investigação, tal como defendem Cochran-Smith e Lytle (1999). Para essas autoras, as comunidades de investigação constituem meios ou mecanismos para a teoria da ação, ou seja, a teoria que se funda na dialética do conhecimento e da ação. Nessa comunidade de investigação, não se trata de estabelecer dicotomias como: conhecimento formal e conhecimento da prática, ou conhecimento dos professores e conhecimento dos acadêmicos. Trata-se, na verdade, de compreender que os professores, a partir das investigações intencionais e sistemáticas que realizam nas salas de aula, são capazes de teorizar sobre o conhecimento produzido. Tais teorizações são produzidas em comunidades locais em que professores e acadêmicos trabalham colaborativamente, buscando pela construção de um conhecimento significativo local e a investigação é reconhecida pelo grupo como possibilidade de transformar o ensino, o aprendizado e a escola. Nesse movimento, todos aprendem.

A análise de aulas: as potencialidades do uso do vídeo

No que diz respeito ao uso do vídeo, concordamos com Powell, Francisco e Maher (2004) que ele traz contribuições à pesquisa, mas também tem limites.  O vídeo possibilita captar o movimento e a imagem numa sala de aula; o professor pode voltar a ele quantas vezes for necessário; possibilita a multiplicidade de olhares e interpretações —  pelo próprio professor, em diferentes momentos ou pelos pares — ; permite um exame mais detalhado das ideias matemáticas que circulam pela sala de aula e como estas são apropriadas, ampliadas e (re)significadas pelos alunos; libera o professor que tem a intencionalidade investigativa do ato do registro simultâneo, pois poderá assistir ao vídeo posteriormente e, dessa forma, pode dar maior atenção aos alunos durante as aulas; possibilita a análise de diferentes práticas e contextos e formas de organização dos alunos para o trabalho — individual, em pares ou em grupos. Em síntese, possibilita o compartilhamento e constituição de um repertório de saberes profissionais — de conteúdo, pedagógico do conteúdo e curricular.

Ao capturar a postura do professor, a forma como dialoga com os alunos, conduz o trabalho coletivo e organiza a socialização, o vídeo possibilita que “os professores se tornem mais conscientes de seu comportamento em sala de aula. Eles podem refletir sobre suas ações e então considerar e discutir com outros se essas ações são efetivas ou não” (MAHER, 2008, p.67).  Como diz a autora, os vídeos possibilitam aos professores se engajarem prospectivamente na elaboração de novas estratégias de ensino, garantindo um ensino de matemática mais efetivo para um maior contingente de alunos. Concordamos com a autora de que os vídeos têm um potencial incalculável para o desenvolvimento da consciência de como os alunos mobilizam seus conhecimentos matemáticos e constroem novos.

Ibiapina (2008) denomina essa prática de formação de “videoformação”. Segundo ela, a projeção de vídeos produzidos nas aulas dos professores possibilita que eles descrevam, informem, confrontem e reconstruam saberes docentes. Assim, os professores alteram

o nível de percepção de suas práticas, ampliando a consciência profissional. As reflexões retratadas por meio do vídeo auxiliam no exercício da reflexividade, formando a consciência reflexiva, dotando esses professores de autonomia que os levam a fazer opções e defendê-las convincentemente. Esse processo concilia ação, pesquisa, reflexão e formação, já que emerge como um recurso por meio do qual as observações do contexto da sala de aula se tornam mais objetivas. (IBIAPINA, 2008, p. 80).

As sessões de vídeo no Grucomat geralmente são planejadas previamente, combinando qual será o vídeo que o grupo analisará. No entanto, pode acontecer de o professor pedir autorização ao grupo para passar um vídeo de uma aula porque ele precisa conversar com os pares sobre algum episódio ocorrido ou até mesmo para solicitar ajuda para continuidade do trabalho em classe.

Essa prática de analisar as aulas tem evidenciado algumas aprendizagens e avanços teóricos e metodológicos — tanto no que diz respeito aos recursos metodológicos para se ensinar matemática em sala de aula quanto aos procedimentos metodológicos de documentação da pesquisa. As evidências dessas aprendizagens são decorrentes das discussões durante a assistência dos vídeos ou de reuniões específicas para analisarmos as contribuições do vídeo para o nosso desenvolvimento profissional.


O vídeo possibilitando a captação de ideias matemáticas dos alunos e de práticas docentes

Uma das grandes contribuições da videogravação, sem dúvida, está na possibilidade de identificarmos quais são as ideias matemáticas que circulam pela sala de aula em contextos em que os alunos interagem trabalhando nos grupos ou nos momentos de socializações coletivas. Muitas vezes, essas ideias que são captadas possibilitam ricas discussões no grupo.

Os vídeos têm possibilitado a percepção da importância das interações entre os alunos e entre eles e o professor; as boas intervenções que o professor faz; e os processos de comunicação nas aulas, como bem destacado pela professora Cleane:

o vídeo possibilita refletir sobre o próprio processo de comunicação entre os alunos, que é bastante interessante, o que eles falam e o quanto o momento de socialização é rico. É um elemento facilitador para a prática, tanto do ponto de vista da pesquisa quanto para o próprio professor.

O vídeo também possibilita uma análise do professor para as suas intervenções em sala de aula, como declarado pela professora Raquel:

Percebi também nos vídeos que eu poderia ter voltado e perguntado aos alunos o que eles tinham pensado sobre suas respostas. Vendo o vídeo percebi que minha intervenção induziu a resolução do problema para o meu ponto de vista e não dei margem para que as duplas continuassem a pensar do modo que haviam iniciado a estratégia.

No entanto, o vídeo também tem seus limites. Alguns desses limites e dificuldades com a videogravação identificamos em nosso trabalho: ele não consegue captar todo o movimento da sala de aula; depende da pessoa que está realizando a videogravação, pois ela sempre fará seleção de quais imagens serão gravadas; a dificuldade de captar as vozes dos alunos quando estes trabalham em grupos, até pelo barulho natural de uma sala de aula; o excesso de material e o tempo gasto para transcrição. Outra dificuldade encontrada no grupo diz respeito à seleção dos vídeos a serem discutidos. Nem sempre temos tempo para assistirmos a todos e isso precisa ser trabalhado de forma cuidadosa para não gerar constrangimentos e interferir na relação afetiva que existe entre os participantes do grupo. No entanto, temos estabelecido uma boa relação entre os participantes no grupo, relação essa marcada pelo respeito e o reconhecimento de que, em alguns momentos, há colegas que estão com maior necessidade de ajuda do que outros. 

O vídeo possibilitando a constituição de uma comunidade de investigação

A constituição do Grucomat já veio arraigada na nossa concepção de que o professor é produtor de saberes e que estes são indissociáveis do sujeito que conhece e construídos e teorizados na e a partir da experiência (COCHRAN-SMITH; LYTLE, 1999). A investigação sistemática dos professores pressupõe o registro, a discussão e o compartilhamento de práticas de sala de aula. Nesse sentido, o Grucomat desde o seu início tem investido no registro sistemático dos professores — seja em forma de narrativas escritas ou em forma de artigos para divulgação em eventos ou publicação em capítulos de livros e artigos de revistas. O ato de escrever exige do professor reflexões e tomadas de consciência de sua prática, exige que tenha um olhar mais atento para a sala de aula e para os pensamentos de seus alunos. Exige aquilo que Cochran-Smith e Lytle (1999) denominam de “investigação como postura”.

Entendemos, pois, que estamos desenvolvendo colaborativamente essa postura e o vídeo de aulas, sem dúvida, tem sido uma ferramenta muito interessante. Como declarou o professor Paulo: a gente consegue trazer para análise a própria realidade da sala de aula e não uma atividade em laboratório.

Algumas sínteses do movimento vivido pelo grupo diante da análise de aulas videogravadas

A valorização do professor como um pesquisador de sua própria prática tem possibilitado que esses professores tenham posturas diferenciadas em sala de aula, dando voz e ouvindo seus alunos, criando situações mais ricas com maiores possibilidades de investigação matemática pelo próprios alunos. Mudam-se as concepções do que seja ensinar e aprender matemática. Os professores têm se arriscado mais e buscado por um ensino de matemática pautado mais em problematizações. Como já destacado, o que um professor do grupo tem a dizer, interessa a todos.  Estamos construindo uma comunidade investigativa (JAWORSKI, 2008, p.313-314), ou seja,

Em uma comunidade investigativa não estamos satisfeitos com o estado (desejavelmente) normal, mas abordamos nossa prática com uma atitude questionadora, não para mudar tudo de um dia para o outro, mas para começar a explorar o que mais é possível; imaginar, questionar e procurar compreender ao colaborar com outros na tentativa de fornecer respostas a eles (Wells, 1999). Nesta atividade, se nossos questionamentos são sistemáticos e temos como objetivo proposital investigar nossas práticas, nos tornamos, então, pesquisadores.


O movimento do Grucomat aqui analisado evidencia que, nesses 10 anos de atuação, conseguimos criar uma identidade própria no grupo. Pode-se dizer que construímos, colaborativamente, uma cultura de trabalho em grupo. A valorização do trabalho compartilhado tem possibilitado tanto a constituição da comunidade de investigação quanto as aprendizagens coletivas. Construímos relações profissionais e pessoais. Há um desejo mútuo de ajuda e co-responsabilidade com o que cada um faz em suas próprias escolhas.

Implicações para as políticas públicas de formação docente

Acreditamos que os grupos colaborativos como o Grucomat vêm contribuindo sistematicamente para o desenvolvimento profissional de todos os seus participantes e defendemos o reconhecimento e a valorização da participação do professor em grupos colaborativos e/ou comunidades de investigação pelas secretarias municipais, estaduais e federais de Educação. Nesse sentido, acreditamos na importância de:

    - que a participação no grupo seja considerada como tempo de formação para o professor;

    - que sejam atribuídas bolsas para professores da educação básica que assumem o papel de parceiros de pesquisa;

    - que sejam concedidas bolsas para pós-graduandos que tomam a própria prática como objeto de investigação;

    - que haja financiamento de projetos dessa natureza (parceria universidade/escola, grupos no interior das escolas, etc.)

    - de que seja incentivada e promovida a participação dos professores em eventos, reuniões para divulgação das experiências/pesquisas;

    - de que sejam facilitados os trâmites burocráticos na realização da pesquisa em sala de aula (comitê de ética, videogravação e audiogravação de aulas, etc.).


Referências

COCHRAN-SMITH, M. & LYTLE, S. L. Relationships of knowledge of practice: teacher learning in communities. Review of Research in Education, 24, 1999, p.249-305.

ELLIOTT, J. Recolocando a pesquisa-ação em seu lugar original e próprio. In: GERALDI, Corinta M.G.; FIORENTINI, Dario; PEREIRA, Elisabete M.A. (orgs) Cartografias do trabalho docente: professor(a) pesquisador(a). Campinas, SP: Mercado de Letras, 2001, p. 137-152.

IBIAPINA, Ivana M.L.M. Pesquisa colaborativa: investigação, formação e produção de conhecimentos. Brasília: Líber Livro, 2008.

MAHER, Carolyn A. Video recordings as pedagogical tools in mathematics teacher education. In TIROSH, Dina and WOOD, Terry (eds.). Tools and processes in mathematics teacher education. The international handbook on mathematics teacher education (volume 2). Rotterdam, The Netherlands: Sense Publisher, 2008, p. 65-83.

PASSOS, Cármen L.B. et al. Desenvolvimento profissional do professor que ensina matemática: uma meta-análise de estudos brasileiros. Quadrante, vol. XV, nº 1 e 2, 2006, p. 193-219.

POWELL, Arthur B,; FRANCISCO, John M.; MAHER, Carolyn A. Uma abordagem à análise de vídeo para investigar o desenvolvimento de idéias e raciocínios matemáticos de estudantes. In: Bolema. Rio Claro: UNESP, Programa de Pós-graduação em Educação Matemática, ano 17, no. 21, 2004, p. 81-140.